Ex-presidente teve ideia de realizar torneio em 12 sedes pela Europa para celebrar 60 anos da competição. Pandemia, porém, trouxe desafio logístico e modificou muitos planos na gestão de Ceferin
Foto: Editoria de arte
Quando a bola rolar para o duelo entre Itália e Turquia, na próxima sexta-feira, às 16h (de Brasília), no Estádio Olímpico de Roma, a Euro 2020 terá seu início. E, ao mesmo tempo, terá fim um longo e tenso processo de preparação para o torneio, repleto de incertezas, críticas veladas e mudanças de planos. A competição, que vinha sendo planejada há mais de oito anos e era o grande sonho do ex-presidente da Uefa Michel Platini, quase virou um pesadelo para a Uefa.
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Tudo começou em 2012, quando alguns países já haviam se candidatado para serem sede da Euro 2020. Já estava definido que a edição seguinte, a de 2016, ocorreria na França, e o processo de escolha para os palcos de oito anos depois ainda esta começando. Mas, na véspera da final entre Espanha e Itália, em Kiev, na Ucrânia, Platini fez um anúncio surpreendente: ele desejava que a edição de 2020, quando a Eurocopa completaria 60 anos, fosse disputada em cidades espalhadas por todo o continente.
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A fala de Platini pegou de surpresa os países que surgiam como aspirantes a ser sede da competição. O processo de escolha havia sido iniciado em março daquele ano, com a Turquia surgindo como forte opção, enquanto Escócia, Irlanda e País de Gales preparavam uma candidatura conjunta, assim como Geórgia e Azerbaijão. Inicialmente, a escolha só seria feita no segundo semestre de 2014 . Mas em dezembro de 2012 o na época presidente da Uefa confirmou: a Euro 2020 teria diversos países como cenário.
Platini admitiu que ideia de fazer Eurocopa espalhada pelo continente era "maluca" — Foto: Getty Images
Na ocasião, Platini havia apontado que o ideal seria contar com "12 ou 13 sedes", usando o argumento de que os países europeus viviam dificuldades financeiras, e dividir a competição entre várias cidades poderia evitar grandes gastos com infraestrutura. A ideia foi criticada por diversos veículos na época, principalmente por dificultar a logística para torcedores e seleções. O próprio francês admitiu que se tratava de uma ideia "um pouco maluca".
Eu apenas apresento ideias, e então as associações nacionais têm suas próprias reuniões. E 52 de 53 disseram que sim. Eu não decido, as associações nacionais decidiram. A Polônia e a Ucrânia fizeram uma grande Euro, mas foi muito caro, quase tão caro quanto os Jogos Olímpicos. Talvez seja uma ideia um pouco maluca, mas é uma boa ideia".
— Michel Platini, presidente da Uefa
A única das 53 associações a se declarar oficialmente contra a Eurocopa espalhada foi a Turquia, que era praticamente assegurada como a grande candidata a receber a competição em 2020. Porém, a candidatura perdeu força quando Istambul também entrou na briga para abrigar as Olimpíadas no mesmo - o que inviabilizaria a Euro de ocorrer no país. No fim das contas, os Jogos foram para Tóquio, no Japão.
Os turcos viriam a baixar a guarda e inclusive aplicariam na disputa para ser palco da grande decisão da competição. Desde o começo de seu sonho, Platini vislumbrava que seria interessante que o torneio tivesse toda a fase final disputada em apenas uma sede, o que facilitaria a logística e daria uma cara mais "comum" à competição. A Turquia, porém, depois viria a desistir do processo diante do favoritismo da Inglaterra - que acabaria sendo apontada como principal sede da Euro.
A Uefa exigiu que os estádios candidatos tivessem capacidade mínima de 50 mil torcedores - e pelo menos 70 mil para semifinais e finais. Em caso de necessidade, seriam aceitos estádios com 30 mil fãs de capacidade para jogos da fase de grupos.
Ao todo, mais de 30 países se candidataram inicialmente para fazer parte da edição histórica. Porém, Platini, homem-forte da Uefa e o rosto do projeto inédito, afirmou que tinha como prioridade cidades que nunca tivessem sido palco da Eurocopa anteriormente. Com isso, aos poucos o número de países candidatos foi caindo, com diversas desistências.
A lista final de candidaturas contaria com 19 cidades: Amsterdã (Holanda), Baku (Azerbaijão), Bilbao (Espanha), Bruxelas (Bélgica), Bucareste (Romênia), Budapeste (Hungria), Cardiff (País de Gales), Copenhague (Dinamarca), Dublin (Irlanda), Glasgow (Escócia), Jerusalém (Israel), Londres (Inglaterra), Minsk (Belarus), Munique (Alemanha), Roma (Itália), São Petersburgo (Rússia), Skopje (Macedônia do Norte), Sofia (Bulgária) e Solna (Suécia).
Quatro delas - Jerusalém, Minsk, Sofia e Skopje - nem mesmo iriam ao processo de votação, uma vez que não cumpriram os requisitos exigidos pela Uefa. A escolha foi feita no dia 19 de setembro de 2014, quando foram definidas as 13 sedes da Eurocopa de 2020. O Estádio de Wembley, em Londres, na Inglaterra, foi apontado como palco da final e das semifinais, levando a melhor diante de Munique. Das 15 cidades que restaram na disputa, apenas Cardiff e Estocolmo não foram escolhidas.
Michel Platini ao lado dos representantes das 13 sedes escolhidas originalmente, em 2014 — Foto: Getty Images
Cidades originalmente escolhidas como sedes da Euro 2020:
- Londres (Inglaterra) - palco da final e das semifinais
- Amsterdã (Holanda)
- Baku (Azerbaijão)
- Bilbao (Espanha)
- Bruxelas (Bélgica)
- Bucareste (Romênia)
- Budapeste (Hungria)
- Copenhague (Dinamarca)
- Dublin (Irlanda)
- Glasgow (Escócia)
- Munique (Alemanha)
- Roma (Itália)
- São Petersburgo (Rússia)
Platini sai de cena, e Ceferin ganha problemas a resolver
No ano seguinte, porém, o pai do sonho grandioso da Euro 2020 sairia de cena por conta de um escândalo. Michel Platini foi banido pelo Comitê de Ética da Fifa e impedido de exercer atividades ligadas ao futebol por pelo menos oito anos. Tudo por conta de um pagamento suspeito recebido de Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa, que recebeu a mesma punição.
E coube ao sucessor de Platini resolver os primeiros grandes problemas relacionados à organização do torneio. O esloveno Aleksander Ceferin foi eleito presidente da Uefa em setembro de 2016, tendo a missão de afastar qualquer sombra de corrupção da entidade após o escândalo envolvendo Platini. A imprensa europeia, inclusive, diz que ele nunca foi um grande entusiasta do projeto de uma Eurocopa com tantas sedes.
Coube a Aleksander Ceferin, eleito em 2016, concretizar o projeto da Euro 2020 — Foto: Getty Images
Foi no começo do mandato de Ceferin que a Uefa precisou tomar uma decisão delicada e tirar uma das 13 sedes originais da competição. Bruxelas, na Bélgica, acabou fora da lista por problemas envolvendo as obras do Eurostadium. O projeto foi aprovado pela prefeitura, e o Anderlecht seria o parceiro das obras, já que depois usaria o local como sua casa. A arena teria mais de 60 mil lugares e seria construída até o fim de 2019.
Porém, problemas políticos impediram que o projeto saísse do papel, como o impacto que o estádio teria na mobilidade urbana da cidade. Um anel viário que permitiria o desafogo do trânsito não foi construído, e o Anderlecht abandonou o projeto no começo de 2017. Diante das incertezas, em dezembro daquele ano o Comitê Executivo da Uefa decidiu excluir Bruxelas das sedes originais da Euro 2020. Os jogos que lá ocorreriam passariam para Londres.
O percalço envolvendo a capital belga, porém, viria a ser visto como algo simples diante dos problemas que viriam à tona depois. Os anos de 2018 e 2019 foram de muito trabalho para a organização, mas transcorreram dentro da normalidade - nem mesmo o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, trouxe grandes problemas para a confederação. Quando tudo parecia encaminhado para que a bola rolasse em 12 gramados diferentes durante um mês, o mundo parou.
Pandemia gera adiamento e incertezas
A pandemia da Covid-19, que paralisou o futebol por alguns meses em todo o planeta, quase fez o sonho de Platini se tornar um pesadelo para a Uefa. A gestão de Aleksander Ceferin precisou agir rapidamente para chegar a uma solução que não gerasse um rombo nos cofres da confederação e, ao mesmo tempo, não se tornasse um enorme problema de calendário no continente.
Em 17 de março de 2020, apenas seis dias depois da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia, a Uefa anunciou o adiamento da Eurocopa em um ano. Por alguns dias, o cancelamento do torneio chegou a ser visto como uma possibilidade, mas logo foram colocados na equação os problemas envolvendo patrocinadores, governos e federações nacionais. Era preciso realizar a Euro 2020, mesmo que fora do prazo inicial - ela ocorreria entre 12 de junho e 12 de julho do ano passado.
Pandemia afetou diretamente a realização da Eurocopa — Foto: Reuters
Diante das incertezas envolvendo as condições sanitárias, a natureza do novo coronavírus e a inexistência de remédios eficazes ou vacinas, o plano foi conservador. A Eurocopa foi adiada em um ano, visando abrir espaço para que as ligas nacionais pudessem ser jogadas assim que fosse possível, empurrando o fim da temporada 2019/20. O torneio foi marcado para começar em 11 de junho de 2021.
Após reuniões do Comitê Executivo, a Uefa optou por manter a marca Euro 2020, mesmo com o torneio sendo disputado um ano depois. E, então, começou a luta da confederação para viabilizar um evento idealizado para ser símbolo de união e ocorrer praticamente sem fronteiras - mas, agora, em uma realidade onde países se fecham, e a circulação de pessoas é uma dor de cabeça.
A primeira questão foi lidar com possíveis candidaturas desistentes. Naquela altura, quando a pandemia estava em seu auge na Europa, pensar em um torneio com entrada em massa de estrangeiros significa poucos ganhos e muitos problemas. Roma e Bilbao apareceram como possíveis cartas fora do baralho inicialmente, e o presidente Aleksander Ceferin admitiu em maio do ano passado que tinha problemas com três das 12 sedes.
Dirigentes de algumas federações deram declarações públicas indicando temor pela competição ser realizada em tantos países, o que poderia gerar não só possíveis aglomerações e aumentos de casos em diversas regiões, mas colocar atletas e outros profissionais em risco. Ali, ganhou força a possibilidade de que todos os jogos fossem realizados em uma sede única, em uma espécie de bolha - fazendo com que o sonho de Platini fosse por água abaixo.
Contou a favor desta hipótese o sucesso da "Super Champions", a fase final da Liga dos Campeões da Europa, que teve todos os jogos realizados em Lisboa, Portugal, em um esquema de bolha, em agosto de 2020. Porém, no segundo semestre, a vertente otimista quanto à ideia original ganhou força diante da diminuição no número de mortes no continente e a esperança cada vez maior de ter uma vacina no mercado até dezembro.
É uma situação muito complicada, é um formato difícil em si mesmo. E ainda mais por conta da Covid-19. Portanto, não é fácil. Mas agora parece bom, e não posso imaginar que a crise vá piorar".
— Aleksander Ceferin, em declaração à "Associated Press"
Ceferin, embora não fosse entusiasta da ideia original de Platini, sabia que a modificação no formato geraria não só atritos com governos e federações, mas poderia causar imenso danos financeiros por rompimento de contratos e problemas relacionados aos torcedores. A Uefa vinha vendendo ingressos para as partidas em todas as 12 sedes desde junho de 2019 e poderia ter que reembolsar todos os fãs.
Local da final da Eurocopa, Wembley também foi cogitado como possível palco único — Foto: Getty Images
Atritos com governos e uma sede a menos
Desta forma, o presidente da Uefa passou a falar em público sobre a esperança de não só manter as sedes originais, mas contar com torcedores em todas as partidas - mesmo que a imensa maioria das ligas no continente estivessem com arquibancadas vazias desde março. O comprometimento de autoridades dos países envolvidos com a liberação de pelo menos parte dos estádios para os fãs passou a ser uma exigência da confederação - o que gerou negociações que duraram meses.
A confederação europeia, por isso, preferiu adiar ao máximo a decisão final sobre onde os jogos da 16ª edição da Eurocopa seriam realizados: o martelo só seria batido em abril, na esperança de a vacinação avançar em diversos países e a curva descendente de casos manter sua tendência. A demora, porém, também visava tentar resolver problemas relacionados a quatros sedes especificamente: Roma, na Itália, palco da abertura; Munique, na Alemanha; Bilbao, na Espanha; e Dublin, na Irlanda.
Roma foi uma das cidades que demoraram a dar garantias à Uefa — Foto: Getty Images
A questão era a divergência entre a Uefa e os governos locais com relação às garantias sobre liberação de público nos estádios e possibilidade da entrada de estrangeiros nos países, que poderia afetar não só os fãs, mas as delegações das seleções. Diante da indefinição, a confederação preferiu fazer um anúncio inicial no dia 9 de abril, no qual confirmou que a Eurocopa seria, sim, com sedes múltiplas ao redor do continente.
Na ocasião, oito delas foram confirmadas - todas com a possibilidade de presença de público. E foi dado um ultimato um ultimato às outras quatro cidades. Do outro lado, autoridades de Roma e Bilbao fizeram anúncios se comprometendo a liberar os fãs nos estádios, repassando possíveis problemas à Uefa. Dias depois, a capital italiana seria confirmada no torneio, continuando como o palco do primeiro jogo.
Restavam ser definidas as situações de Munique, Dublin e Bilbao. E no dia 23 de abril veio a decisão final: a Alemanha liberou público nos estádios, e Munique, uma das principais sedes do torneio, foi confirmada. Dublin acabou descartada - como esperado pela postura dos governantes do país quanto à Eurocopa desde o início da pandemia. E Bilbao foi pivô de uma disputa pública: a Uefa optou por substituir a cidade basca - com histórico separatista na Espanha - por Sevilha, onde teria a disposição o novo estádio de La Cartuja.
Uefa retirou Dublin das sedes originais, e trocou Bilbao por Sevilha — Foto: Getty Images
A prefeitura de Bilbao acusou a Uefa e a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) de ameaças e indicou que não aceitou exigências feitas pela confederação, que acabou por tomar uma "decisão unilateral" de modificar a sede espanhola da Euro 2020. A Uefa, por sua vez, apontou que as razões foram as condições sanitárias da região com relação à pandemia. As partidas da fase de grupos que seriam jogadas em Dublin passaram para São Petersburgo, e a de oitavas de final foi para Londres.
Com isso, a menos de dois meses da primeira partida, a Uefa acabou com boa parte das indefinições relacionadas a um sonho que nasceu mais de oito anos antes. Mesmo em meio à pandemia, a Euro 2020 acontecerá em cidades das mais diversas partes do continente. E com torcedores nas arquibancadas para celebrar suas seleções. Porém, isso não significa que os problemas acabaram.
Do primeiro jogo, na próxima sexta-feira, até a grande decisão, em 11 de julho, serão dias de tensão por possíveis problemas relacionados ao novo coronavírus. As possíveis infecções de atletas, o aumento de casos em um país específico ou mesmo a modificação das regras de circulação e entrada de estrangeiros nos diferentes países podem gerar dores de cabeça fortes para Aleksander Ceferin e sua diretoria. O presidente, porém, mantém a esperança até de que a final conte com Wembley lotado.
O adiamento da competição e as mudanças relacionadas gerariam um gasto de 300 milhões de euros (R$ 1,84 bilhão) para a Uefa, de acordo com a AP. Porém, a realização dos jogos com sucesso podem render uma receita de mais de 2 bilhões de euros (R$ 12,31 bilhões).
Veja as normas de público para cada sede:
- Amsterdã (Holanda): capacidade de 25% a 33%, com possibilidade de aumento
- Baku (Azerbaijão): capacidade de 50%
- Bucareste (Romênia): capacidade de 25% a 33%, com possibilidade de aumento
- Budapeste (Hungria): capacidade de até 100%
- Copenhague (Dinamarca): capacidade de 25% a 33%, com possibilidade de aumento
- Glasgow (Escócia): capacidade de 25% a 33%
- Londres (Inglaterra): capacidade de 25%, com possibilidade de aumento
- Munique (Alemanha): capacidade de 22%
- Roma (Itália): capacidade de 25%
- São Petersburgo (Rússia): capacidade de 50%
- Sevilha (Espanha): capacidade de 30%