A paralisação pela pandemia, esta ainda em pleno curso, tinha feito a gente se esquecer do VAR. Nos dois últimos fins de semana, ele voltou a ser protagonista. E, mais do que reforçar que precisa melhorar muito na questão da agilidade, ele escancarou como é grande o número de pessoas que encaram a ferramente como um instrumento que serve apenas para beneficiar ou prejudicar o time para o qual torcem ou o qual odeiam. E, mais grave, há jornalista nesse "time"... Primeiro vamos ao maior problema que ainda não conseguimos resolver: a demora nas decisões. Tivemos em Santos x Flamengo e Bahia x Palmeiras lances que, para serem analisados, levaram quase 3 minutos. Isso joga holofotes sobre a quantidade de vezes que o VAR interrompe o jogo. O árbitro de vídeo tem de interromper tantas vezes quanto for necessário. Se o fizer, por exemplo, 10 vezes, e a decisão for tomada em 1 minuto, são dez minutos de paralisação. Mas se cada vez que o árbitro de campo for chamado,ainda que de maneira correta, ele levar 3 minutos para analisar, são intermináveis 30 minutos. É um tempo impossível de tolerar. Mas o que muitos não entenderam ainda é que o VAR surgiu unica e exclusivamente para justamente corrigir decisões erradas do árbitro. É pra isso. Se não for pra isso, não existe VAR. De todos os lances que a ferramenta pode interferir, o único que me parece passível de aprimoramento é o que fala em "início da jogada". Muitas vezes se anula um gol porque houve uma falta mais de um minuto antes, ou pelo menos três lances distintos antes. Mas o resto... falta é falta. Impedimento é impedimento. Mão é mão. Como alguém pode contestar que se corrija um lance ilegal? Mesmo a questão da mudança de opinião do árbitro é analisada de modo, a meu ver, torto. Primeiro, parto do princípio da honestidade total de toda a equipe de arbitragem. Admito, também, que alguns árbitros menos experientes possam se influenciar pela chamada de um árbitro de vídeo mais cascudo - cabe à CBF administrar isso. Mas acho também que o árbitro em campo tem uma visão única. Às vezes está colado ao lance, sem ninguém na frente, mas só vê um lado. Pode, sim, ao ver o mesmo lance por um outro ângulo ele pode perceber um detalhe que lhe mude opinião. Enfatizo: o VAR é para isso! Refiro-me ao lance reclamado pelo Botafogo de um gol anulado contra o Internacional. Admito que a falta cometido no jogador do Inter foi bem antes da conclusão a gol. Isso poderia ser aprimorado na lei. Mas houve falta. Para mim, indiscutível. E o árbitro estava muito bem colocado. Mas do ângulo único que tem, pode não ter percebido a infração. Reviu o lance e mudou. Ponto. Legítimo. Se fosse numa final de Copa do Mundo, um jogador do Brasil sofresse falta no ataque e, 2 minutos depois, a Alemanha tivesse um gol anulado, iríamos reclamar? Ou estaríamos exaltando o VAR e celebrando que o Brasil deixou de levar um gol irregular? Enfatizo: o VAR é para isso. Para não alongar muito, cito o Flamengo, que protagonizou dois jogos seguidos envolvendo o VAR. Contra o Botafogo, foi corrigido um erro que custaria caro ao quase sempre reclamante do tema Paulo Autuori. Bruno Henrique cai na área, o árbitro Vuaden não vê pênalti, a bola toca na mão do atacante (o lance teria de parar aí), Vuaden não vê e confirma o gol de Gabigol. O VAR repara a injustiça, que apontaria 1 a 0 para o Flamengo. Aí, no fim do jogo, Benevenutto salta tal qual Rudolf Nureyev no balé e desvia com o braço na área. O VAR repara a injustiça do pênalti. Mas aí a gritaria surge, porque VAR não pode ser usado para evitar prejuízos dos odiados Flamengo e Corinthians. Na Vila, os dois gols do Santos foram legitimamente anulados. O primeiro não tem discussão, impedimento é impedimento. O segundo não se discute quanto a impedimento, a partir do momento em que o árbitro considera que o impedido participa do lance. Mas essa "consideração" independe do VAR, é uma prerrogativa do árbitro. Pode-se julgar que ele errou nisso, mas não o VAR. O que me dói mais é ver um profissional pegar um microfone, com a responsabilidade de falar e influenciar milhões de pessoas, que o primeiro gol deveria ter sido validado porque o impedimento era "só de um centímetro". Isso equivale a dizer que se pode surrupiar só uma moeda do bolso dos outros, que se pode estacionar com apenas uma roda sobre a calçada, que se pode avançar apenas um sinalzinho de trânsito... Impedimento de um centímetro, como diria o outro, e daí? Dos não jornalistas eu não levo em consideração a postura de aceitar o VAR desde que corrija injustiças para uns e descascá-lo se a injustiça reparar o direito de outros. Torcedor pode falar o que quiser, porque não tem compromisso com a verdade, com a ética, apenas com a emoção e fanatismo por seu clube. Sempre fui a favor do VAR, acho que ele acerta mais do que erra, e tenho a certeza de que a ferramenta seria bem menos contestada por aqui se suas intervenções fosse concluídas de modo rápido e objetivo. A lentidão da equipe é que irrita e distorce as avaliações. Isso precisa ser corrigido para ontem. Mas mesmo sendo claríssimo para mim que o VAR, em si, não pode ser contestado, admito que no futuro o público possa concluir que prefere o futebol do jeitinho, do roubo, da malandragem, do massacre ao árbitro, do levar vantagem em tudo, certo? Aí que se acabe com o VAR e com as regras da honestidade...
Por Ricardo Gonzalez
Comentarista dos canais SporTV
https://globoesporte.globo.com/blogs/entre-as-canetas/post/2020/09/02/um-acerto-jamais-sera-um-erro.ghtml